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sexta-feira, 23 de abril de 2010

Projeto Arrudas Contextualizado - Parte II





Agora sim, evolução

Belo Horizonte tornava-se cada vez mais caótica. Tudo piorava, mas nem todos percebiam. A cada período de chuva, centenas de regiões da capital mineira sofriam com alagamentos e deslizamentos de terra, carros entupiam as vias e os espaços públicos eram subutilizados. Algo precisava mudar, com muita urgência.
E como devia ser, mudou. Aliás, começou a mudar, pois ainda há muito que melhorar para a cidade se tornar sustentável. Ainda há quem duvide de que aquele caminho cheio de não-lugares e individualismo era um equivoco. Estes continuam vivendo no caos. Os congestionamentos acontecem com alta freqüência, mas por opção de quem prefere o carro ao transporte público.
Alguns residentes têm pouquíssimas oportunidades de perceber a evolução do município, pois insistem em vê-lo sob a mesma perspectiva de antes: de dentro do automóvel e pelas janelas dos shopping centers. Coitados: o que era um recinto seguro e agradável passou a parecer uma prisão quando comparado com os espaços externos.
Quem se locomove pelo metrô, ônibus, VLT do arrudas e outros meios de transporte público, chega mais rápido ao destino. Além disso, interagem mais com os demais habitantes. Portanto, o contato com o meio urbano é mais agradável para os cidadãoes e menos degradante para a cidade.
Como é bom ver os botes descendo o arrudas a todo momento, em qualquer dia da semana. Na hora do rush, até eles são mais rápidos que o fluxo da Avenida dos Andradas. Nos fins de semana, é uma das opções de lazer mais baratas da capital mineira, sem perder a qualidade. Domingo pela manhã é quando há o maior número de barcos descendo o rio. Desde o Barreiro até a Lagoinha, há uma intensa movimentação, pois muita gente escolhe essa alternativa para chegar à feira hippie.
O sucesso dos botes é tão grande, que muitas pessoas compraram um para si. Assim, além daquelas embarcações infláveis pertencentes à empresa que fornece o serviço, há diversos modelos diferentes, sendo que esses pagam pelo espaço ocupado no chamado “ponto do bote” e pelo transporte de retorno no VLT do Arrudas. Com isso, os botes tornaram outro atrativo para as pessoas virem até o rio. Muitos apenas assistem eles passando, pois há tantos modelos diferentes que vê-los em interação com o Arrudas é um belo passatempo.
Um rio que outrora cheirava mal e tinha péssima aparência, hoje atrai as pessoas. Além da possibilidade de navegá-lo com pequenos barcos, suas margens são bastante freqüentadas. Elas foram tratadas de modo a proporcionar para se permanecer. As pedras instaladas servem como assento, enquanto trechos gramados permitem que os indivíduos deitem e desfrutem um conforto satisfatório.
Com as áreas gramadas implantadas ao longo do trecho encaixotado, o solo voltou a ser, mesmo que parcialmente, permeável. Assim, o período de cheia é significantemente menos perigoso para quem vive próximo ao curso d’água, sendo que moradores de áreas que continuam sendo inundáveis foram transferidos para regiões seguras.
Um importante passo foi dado rumo a uma Belo Horizonte sustentável. A cura dessa região da cidade, e um exemplo pra muitas outras.





Um dia na vida do João

Domingo: dia de acordar feliz e com vontade de viver. Todo dia levanto-me às seis, mas hoje me dou o luxo de sair da cama por volta de oito horas. Tomo um banho, visto-me e como uma broa de fubá acompanhada de um pingado.
Pronto: preparado para relaxar e me divertir com a família. Andamos por 10 minutos, até o primeiro ponto do bote do Arrudas. Passo meu cartão de transporte integrado e coloco a molecada pra dentro do barco, todos com coletes salva vida. Eles abrem aquele sorriso. Eu e Aparecida, minha esposa, ficamos de olho neles, enquanto eles ficam de olho em tudo ao redor.
- Pai, pai, como era o rio quando cê tinha a minha idade?
- Era imundo, filha...Puro esgoto. Ninguém chegava perto!
- Então como você ia para a feira?
- Ia muito pouco, mas quando ia, ia de lotação.
- Era bom?
- Não, era ruim filhinha. E num tinha tanta graça. Um dia desses podemos ir de ônibus para você ver como é.
Minha filha fica calada e pensativa, mas sempre observando tudo ao redor. As crianças gostam de descer o rio de bote. Sempre que as levo ao centro da cidade, e tenho certo tempo de folga, o meio de transporte é o bote.
- Paiê, depois da feira, vamos para aquele lugar do rio com a margem bonita?
- Hoje num dá meu filho, temos a festinha do teu primo.
Um silêncio conformado e uma expressão de descontentamento. Ele sabe que tudo tem sua hora, e que hoje não dá. Compreendo que eles gostem tanto de ir ao Santa Tereza, onde as margens do Arrudas tornaram-se um belo complexo de lazer e ócio para o povo da capital e visitantes. Na praça que ocupa o que antigamente era uma avenida, as crianças brincam, adultos caminham e jogam xadrez e baralho. Há quadras de peteca e futsal, cesta de basquete e churrasqueiras públicas. Na margem do rio, além dos pontos do bote, há locais tranqüilos e seguros para quem procura um ambiente sossegado para leitura, namoro, estudo, reflexão...Lá, todos acham seus lugares.
Mês passado, decidimos ir conhecer o local com alguns familiares. Sabíamos da boa infra-estrutura, mas não imaginávamos que funciona tão bem. A meninada se divertiu a beça jogando basquete, brincando de queimada, pega-pega e rouba-bandeira. Os adultos, se não estavam na churrasqueira, faziam caminhada ou conversavam na beira do Arrudas. Um programa maravilhoso, que pretendo repetir muitas vezes.
Vejo o terminal rodoviário se aproximando. Chega a hora de desembarcar e rumar à feira. Descemos no ponto do bote, enquanto algumas pessoas que esperavam, embarcaram. Enquanto subimos a escada, reparo em um rapaz subindo a rampa de cadeiras de rodas. Sempre me perguntei do por quê de uma rampa e uma escada, e fico feliz de obter a resposta por observar as duas sendo utilizadas simultaneamente.
Chegamos no nível da rua e nos deparamos com dezenas de ciclistas, skatistas e patinadores circulando pela ciclovia. Na rua, poucos carros, sendo que todos param quando há faixa de pedestres. Com esse clima de gentileza urbana prevalecendo, caminhamos até a Afonso Pena.
Compramos o que fomos buscar e também alguns agrados baratinhos para os guris. Em seguida, voltamos à estação lagoinha, de onde partiríamos rumo ao terminal de integração com o Expresso Arrudas, uma espécie de bonde suspenso, o qual nos leva de volta ao Barreiro.
No caminho, paramos por um instante na passarela que liga a estação de metrô á rodoviária para observar os barcos que desciam o rio. Além dos infláveis, os quais fazem parte da rede de transporte público, podia-se ver diversos outros tipos. De madeira, de metal, e diversos outros materiais. Muitos transeuntes paravam para assisti-los por um tempinho.
Voltamos para casa e fomos à festinha de meu sobrinho, morador de uma rua próxima. Às seis da tarde chegamos em casa novamente. Assisto TV até nove horas. Deito-me e começo a pensar na semana seguinte. Cinco dias de trabalho pesado, e dois de descanso e lazer. Pelo menos, tenho para onde ir nos dias de folga sem precisar gastar quase todo o meu salário.

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